"Porque as pessoas que fazem cinema não se perguntam: até que ponto eu posso e devo usar essas imagens, até que ponto necessito de uma imagem ou não, até que ponto necessito desta imagem e deste som? E se quiser aprofundar isso, pode-se perguntar até que ponto deve ser feito cinema no Brasil, por que eu devo fazer cinema no Brasil. Se a resposta é sim, cabe perguntar porque devo fazer este filme e não outro. Até que ponto as pessoas vão continuar fazendo filmes sem se formularem esssas perguntas? A falta de inquietação vital e criativa é terrível. Usar porque é bonito, porque prova, porque ilustra, estas podem não ser razões criminosas, mas são razões más, e as pessoas precisam estar conscientes disso. A resposta pode ser: eu uso essa imagem porque eu sinto que preciso usar, não sei explicar. Isso me basta. Mas até que ponto toda cena de periferia tem que ter um rap? Ou uma imagem de favela deve ter samba? Até que ponto uma lavadeira que diz que é lavadeira precisa estar na imagem lavando roupa? No fundo é isso: as pessoas deveriam usar as imagens e os sons pensando por que estão fazendo isso. Proliferação de imagens e sons onde nada vale nada, por que isso? Por exemplo, em Santo Forte: por que vou usar a imagem de um menino soltando pipa? Até que ponto preciso utilizar a imagem de um culto religioso para provar que é verdadeiro? O mundo das imagens vai ficando tão pobre e tão restrito que, quando coloco em Santo Forte espaços vazios, essas imagens ganham uma força tremenda, justamente porque são raras dentro do filme."

"Eu estou interessado em conhecer, não posso transformar o mundo com um filme, já sei disso há mais de 20 anos. Se pudéssemos transformar o mundo com um filme, não sei se eu seria capaz de fazer esse filme. Temos de ter dados sensíveis, e os filmes podem dar esses dados. Se você não conhece não pode transformar direito. O que eu quero dizer é que se as pessoas soubessem que a religião não é exatamente o ópio do povo o socialismo não tinha dado na vertente que deu."

Eduardo Coutinho

3 comentários:

Vinícius disse...

O cinema tem de ser, sempre, o seu combustível: capaz de instigar e laçar a subjetividade de quem vê. Em Nikiti você vai colocar a sua vocação nos trilhos; vai malhar o seu dom. Obrigado pela amizade em solo capixaba, parceiro. Sorte!

Rafael Abreu: disse...

O último trecho é de uma lucidez impressionante. Fala algo que, fosse interpretado de forma simplória, seria algo um pouco resignado. Mas não, é uma frase satisfeita.

Flora disse...

Por que fazer filmes?
Engraçado como nunca me perguntei antes...