Dá-le Mengo ou Viva os Inutensílios!

“O Futebol é a coisa mais importante das coisas desimportantes”


Abro essa postagem, com uma das inúmeras belas e famosas frases do saudoso Nelson Rodrigues, porque leio num desses sites da rede que o futebol é, na verdade, um mero meio de manipulação das massas - os mais sagazes já notaram sua eminente semelhança com o pizzaiolo -, uma fábrica de produção em larga escala da tão comentada alienação nacional, um combustível assaz eficiente na luta árdua contra a formação de indivíduos com consciência de classe, um parente pra lá de próximo da famigerada novela. Com todo respeito: me poupe!

Recorro a uma iluminada passagem do clássico russo - "Os irmãos Karamázov", em que um dos personagens coadjuvantes da bela trama do barbudão, em palestra com o stárets Zózima, diz encarecidamente que sente um amor enorme pelo ser humano, entretanto não o suporta quando esse próximo lhe é literalmente próximo, ele só ama ao povo enquanto um todo disforme e imaterializado - a já citada e recorrente "massa". Me parece uma síndrome - calma, leitor, eu chego lá.

É fato que boa parte dos que se dizem mais engajadinhos têm uma verdadeira ojeriza a futebol, ou qualquer coisa que atraia as "massas". Explica-se: eles supõem-se a vanguarda iluminada que reúne a quantidade exata de sabedoria e disposição para libertar a anônima "massa" da triste situação a que a mesma se encontra relegada. A diversão está expressamente proibida a essa faixa da população tupiniquim, na qual deve reinar absolutamente durante 100% de seu tempo, como um verdadeiro déspota, o seu viés político e a sua consciência de classe.

Tá certo. Desde já, então, decreta-se estar terminantemente proibido ao indivíduo (principalmente àqueles de renda incontestavelmente baixa, lembrando-se que a ocorrência se acentua no caso daqueles que sequer a possuem) o desfrute da diversão, seja ela de qualquer natureza. Jogos de futebol ou qualquer outro esporte ou atividade que receba interesse exacerbado e despropositado por parte da população em geral, impedindo-os de ficar remoendo sua lastimável situação (financeira, emocional ou seja lá o que for) deve ser sumariamente eliminado(a) do dia-a-dia do cidadão comum. Declara-se, a partir deste momento, às 01:03 do dia 26 de janeiro de 2009 decretada a morte do entretenimento que se encerra como tal.

E que monólogo tedioso a vida seria, hein.

Há ainda uma defesa apaixonada do poeta Paulo Leminski da poesia como inutensílio, comparando-a, em determinado momento ao futebol, aqui:

Em tempo, o carioca já começou: ainda ontem o Vasco mostrou a que veio - os 2x0 pro Americano em pleno São januário desmonstra a disposição dos cruz-maltinos para brigar pela segundona do campeonato carioca, dessa vez. Já o Botafogo sofreu mas levou pra casa os três pontinhos conseguidos na vitória apertada em cima do pequeno Boavista. O Flamengo, com a onipresente ajuda divina - há quem chame de erro de arbritragem, os mais maldosos: roubo, eu, particularmente, acredito na boa vontade do todo poderoso - suou a camisa pra vencer pelo mísero placar de 1x0 o retrancado Friburguense. Falando em ...ense, o Fluminense decepcionou bonito ao perder de virada pelo placar de 3x1 pro modesto Cabofriense, que jogou em seu simpático estádio, o qual comporta um público de, pasmem, 5 mil pessoas. Agora é esperar pra ver se sai mais um tri do mengão, afinal o que resta ao flamenguista é torcer pelo carioca, já que nos campeonatos de maior porte o rubro-negro carioca tem feito pra lá de feio.
Mesmo assim, as saudações ao leitor serão eternamente rubro-negras!

Eis que mais um ano escoa por entre os dedos, mas não sem deixar suas cicatrizes. 2008 foi um ano pra lá de significativo. Explica-se: primeiramente, foi ano de início de uma nova trajetória acadêmica, o ensino superior - no embate entre jornalismo e cinema, levou a melhor a sétima arte. E no quesito cinema 2008 não deixou a desejar: além do início do ansiosamente aguardado primeiro período da faculdade, se deu a descoberta de uma segunda casa, o Centro Cultural Bando do Brasil - CCBB pros mais íntimos - onde ocorreu a inesquecível retrospectiva do cinema do francês Alain Resnais (o que dizer da emoção de apreciar Hiroshima, Marienbad e Providence na telona, entre outros grandes títulos desse mestre?); a rara oportunidade de assistir na sala escura à boa parte da obra cinematográfica de Murnau; a apresentação a nomes tão fundamentais quanto pouco conhecidos do cinema oriental; ou o debute no Festival do Rio.

Além disso, a descoberta das sedutoras mulheres de Milo Manara; o surgimento de uma paixão - a femme fatale de Crepax, Valentina (essa belezura da foto acima); o indescritível deleite com o teatro de Nelson Rodrigues; os shows beirando o sublime de Bob Dylan e João Gilberto; entre outros momentos memoráveis marcaram esse ano que há pouco bateu as botas.

Em tempo, logo abaixo vai uma lista dos que eu considero os 10 melhores filmes lançados nos cinemas brasileiros no ano de 2008. Há ainda alguns filmes que poderiam estar ocupando um dos acentos abaixo caso eu houvesse tido a possibilidade de assistí-los, o que tentarei fazer o mais rápido possível - que eu me recorde nesse momento são eles: Conto de natal, Falsa Loura, Canções de amor, A questão humana e Wall-e; sem mais delongas, lá vai:


1 - Não estou lá (I'm not there, Todd Haynes)

2 - Paranoid Park (idem, Gus Van Sant)

3 - Antes que o diabo saiba que você está morto (Before the devil knows you're dead, Sydney Lumet)

4 - Onde os fracos não têm vez (No country for old men, Joel e Ethan Coen)

5 - Sangue negro (There will be blood, Paul Thomas Anderson)

6 - Senhores do crime (Eastern promises, David Cronenberg)

7 - Serras da desordem (idem, Andrea Tonacci)

8 - A fronteira da alvorada (La frontière de l’aube, Philippe Garrel)

9 - Encarcação do demônio (idem, José Mojica Marins)

10 - 4 meses, 3 semanas e 2 dias (4 Luni, 3 Saptamini Si 2 Zile, Cristian Mungiu)



Bateram na trave:

A espiã - Paul Verhoeven

Leonera - Pablo Trapero

O nevoeiro - Frank Darabont



That's all, folks.