Yellow green, green yellow, Mr. Sganzerla

O que é o Brasil? O que é o brasileiro? E, afinal, quem é Aranha? - Um político corrupto? Um cafetão responsável por levar brasileiras para se prostituirem no estrangeiro? Um favelado que joga as economias do mês no jogo do bicho? Sou eu? É você? A verdade (?) é que SEM ESSA ARANHA é um grande e contundente ponto de interrogação.
A câmera irrequieta de Rogério Sganzerla adentra o imaginário tupiniquim para fazer um estudo sobre a brasilidade. Adotando o subdesenvolvimento como escolha estilística, Sganzerla traduz, com exímia habilidade, para a linguagem da sétima arte, o Brasil do momento da produção do filme em questão.
Com uma fotografia e um som ( da competência do singular Guará) irregulares, uma montagem marcada por cortes abruptos, uma pulsante câmera na mão, atuações forçadas e personagens exagerados, Sganzerla realiza uma obra de estética agressora, desagradável aos olhos do espectador - “O novo cinema deverá ser imoral na forma para ganhar coerência nas idéias, porque, diante dessa realidade insuportável, somos antiestéticos para sermos éticos”, nas palavras do próprio.
O roteiro – se é que se pode dizer que há um, uma vez que tal competência é inexistente nos créditos do filme – usa e abusa (habilmente) do recurso da repetição, tanto imagética quanto sonora e verbal. Na voz de Helena Ignez: “o sistema solar é um lixo”. “planetazinho metido a besta”, “tem que pecar em dobro pra esse planeta não virar de pernas pro ar”; ou de outrem: “ai que dor de barriga”, “tô com fome”, “o que é o Brasil?”, “o que é o brasileiro?”.
O futebol, o samba, a miséria, a favela, a corrupção, o jogo do bicho, a prostituição, Zé Bonitinho, a fome, o baião – encarnado na figura de Luiz Gonzaga, o Rio de Janeiro, as praias, o subdesenvolvimento, o cinema nacional – tudo é Brasil. SEM ESSA ARANHA é o Brasil a 24 quadros por segundo.
Falando em Brasil, é preocupante a falta de respeito do brasileiro com sua identidade cultural, relegando seu passado ao que se pode chamar de uma semi-inexistência. O limbo a que foram destinadas algumas das obras-primas do cinema nacional é de causar perplexidade, filmes como Limite e Ganga Bruta (que por pouco não foram totalmente perdidos) são exemplos crassos desse descaso brasileiro com sua história. Os filmes da produtora Belair, cujos principais nomes são Rogério Sganzerla e Júlio Bressane, de imensa relevância no cenário do cinema independente nacional são sintomáticos dessa aversão do brasileiro por seu passado. Além de alguns desses filmes estarem totalmente perdidos, outros possuem raríssimas e difíceis cópias, como é o caso de SEM ESSA ARANHA.
SEM ESSA RANHA é, de fato, um filme datado (a presença da década de 70 e o que tal momento implicou para o cinema e a vida brasileiros estão lá em sua diegese), mas, nem por isso, deixa de ser um filme atualíssimo – as questões, os anseios, o Brasil e o brasileiro pouco mudaram de lá pra cá.
O fato é que SEM ESSA ARANHA, em toda sua grandiosidade, merece uma exibição maior que a projeção em dvd, na humilde tela do CCBB para meia-dúzia de gatos pingados. Me parece que a projeção em película, na ostentosa tela do Palácio, fosse mais condizente com todo seu vigor.
Toda essa grandeza anunciada anteriormente torna inglória a tarefa desse que o tenta trazer à luz de palavras. A verdade é que nem duas, nem mil páginas dariam conta do tamanho de SEM ESSA ARANHA.

Michael Kenna


Deu-se ontem o fim do Festival do Rio e também já é finita a mostra Oriente Desconhecido que se dava no Centro Cultural Banco do Brasil, vulgo CCBB. E, apesar do saldo bancário ser negativo, o cinematográfico é exorbitante. Algumas decepções, algumas surpresas e muito dinheiro nesse tempo de intensa dedidação à arte da telona.
São de olhinhos puxados as duas melhores descobertas cinematográficas dos últimos tempos desse que humildemente vos escreve: Apichatpong Weerasethakul e Hou Hsiao-Hsien. O tailandês AW teve exibido na mostra do CCBB 3 de seus longa-metragens, já o chinês HHH teve 2 longas exibidos na mesma mostra e seu filme mais recente no Festival do Rio.
Dos três filmes do primeiro, Mal dos trópicos e Síndromes de um século são inegáveis obras-primas, um pouco do que de melhor tem-se feito na 7ª arte. O primeiro, em especial, é uma daquelas obras que transcendem o espaço destinado à projeção das imagens e adentram o espectador te tal forma que torna difícil a descrição. O segundo também é um filmaço, mas sua apreciação foi fatalmente prejudicada pelo fato de a projeção do filme inteiro ter-se dado na janela errada (a legenda estava no meio da tela), apesar disso, a força das imagens e do filme como um todo é incontestável e a experiência de vê-lo em película inenarrável.
Já os filmes filmes do segundo projetados na mostra são Millenim Mambo e Three Times, dois belíssimos filmes. Impossível não se apaixonar por Millenium Mambo já no primeiro contato com o filme: junte à aveludada voz over da narradora, a música coordenando o ritmo com que a protagonista adentra um corredor maravilhosamente fotografado com a bela cópia em película e poderá ter uma idéia da experiência. Three Times também é de uma beleza estonteante, o primeiro episódio, então, é de uma liricidade que contagia. E, no que pode ser chamado por mim de o melhor filme do Festival do Rio, A viagem do Balão Vermelho, também do china, a poesia visual está no cerne do filme. As viagens do balão vermelho - como o próprio nome já explicita, a beleza e a maravilhosa atuação de Juliette Binoche, o carisma do mulequinho, fazem desse filme uma verdadeira preciosidade.
Mas nem só de asiáticos vive o cinema contemporâneo, Lucrecia Martel demonstra vigor em seu mais novo filme, A Mulher sem cabeça; Guerin exercita seu estilo no charmoso Na cidade de Sylvia; um Bressane mais linear e nem por isso menos Bressane desponta no belo A erva do rato; Miguel Gomes exibe os bastidores da realização do que seria um filme de ficção no delicioso Aquele querido mês de agosto; os irmãos Coen retomam sua verve comediante no hilário Queime depois de ler; Philip Garrel decepciona um pouco mas nem por isso deixa de ter méritos em A fronteira da alvorada; Eric Rohmer mostra que ainda está atuante e afiado em Les amours D'Astrée et de Celadon; Paolo Sorrentino desfila todo seu esteticismo no premiado Il Divo; e Dário Argento mostra os peitos de sua divina filha em O fantasma da Ópera; entre outros belos filmes e momentos que freqüentaram minha retina nos últimos tempos.
Amanhã tem Abismu em película no CCBB, um dos filmes do que é, em minha opinião o maior dos cineastas brasileiros, o eterno Rogério Sganzerla e, como não poderia deixar de ser, estarei lá nas duas sessões e acompanharei parte da odisséia da chegada do Rubro-Negro ao hexa campeonato brasileiro, no embate contra o falecido Atlético Mineiro.